segunda-feira, 10 de julho de 2017

A adoção de Tobias e os julgamentos no Facebook


Ultimamente, grupos de colaboração mútua, como o "Eu aceito... Eu ofereço" tem ganhado espaço no Facebook e hoje eu vou utilizar o exemplo de uma postagem para discutirmos solidariedade e julgamentos.

Segundo a criadora, Isabela Silveira a definição do grupo é a seguinte:
"É um grupo de Fcebook que foi criado [...] para mulheres cis e trans fazerem interações diversas e se acolherem. [...] Tudo que não é, é troca. Só de for de amor e de afeto. Pedem muita companhia. Companhia pra estudar, malhar, fazer regime,.. Tem quatro regras: só mulheres, não pode permuta (coisas financeiras) de nenhum tipo, nada de links externos e nada de divulgação. Senão vira um painel de divulgação. Ali é pra gente falar da gente, sobre as nossas demandas."

E na descrição, da página há o seguinte:

"Graças às Deusas temos assistido um movimento grande de mulheres se unindo, se ajudando e se cuidando mutuamente. Bendita sororidade! Mas percebo que ainda é comum termos vergonha de pedir ajuda como se, de algum modo, isso significasse que fracassamos na gestão de nossas vidas."


Com 30.615 membros em 10.07.2017, a comunidade, foi criada em Salvador, tem 8 moderadoras e eu entrei para ela porque acredito e louvo a proposta. Das minhas relações pessoais, há 16 manas que também integram o grupo. Já ofereci uma Oficina de Jogos teatrais, onde 12 mulheres aceitaram, no entanto não ocorreu porque quando enviei mensagem inbox para confirmar se as "manas" viriam, só uma tinha disponibilidade e eu resolvi adiar. 

Lá todos os tipo de pedido aparecem. Da indicação de uma ginecologista para saúde lésbica a sobras de festas. Doação de roupas, sapatos, livros e móveis geralmente fazem com que "filas" sejam criadas virtualmente. E toda vez que leio a pagina, sinto que a solidariedade é realmente a mola mestra do grupo. Só que como na vida nem tudo são flores, de vez em quando aparece uma polêmica.

Uma oferta de um cachorro levou a reflexão de como se utiliza o espaço desses grupos para julgamentos e apreciações pessoais . O anúncio,  vou reproduzir aqui porque é público e pode ser que alguém se interesse por Tobias.
Dizia o seguinte:

"Eu ofeteço esse lindo cachorro, 
para adoção responsável:
Motivo sem tempo para cuidar.

Idade: 1 ano e meio
Raça: Cocker Spaniel Inglês
Bairro: São Cristóvão
Tomou vacina tem 6 meses
Não é castrado
Muito docil
Nome: Tobias
Tem coleira, cama, cobertores
A pessoa esta doando porque não tem tempo pra cuidar"

Ficou um dia sem nenhum comentário e aí começaram os julgamentos.

" Fico pensando, pq pega um animal e depois faz isso com ele.
Sendo que ele tem sentimentos.
Queria só ver se ia fazer isso com uma criança, pq não tem tempo bora colocar pra adoção. 

Acho isso uma falta de respeito com um filhinho de 4 patas.
Mais sempre vai ter uma pessoa que vai abrir a boca e falar.
É melhor por pra adoção do que largar na rua.
A verdade mesmo que eu acho que uma pessoa dessa nem deveria em momento algum pegar um animal pra cuidar sendo que a própria não tem tempo pra nada aff.
Fico revoltada com isso.
Que vc Tobias encontre uma família que te ame para sempre." (R1.)

Uma das coisas que estou pensando aqui é sobre a liberdade de escrevermos sobre o que quisermos e isso gerar uma reação em cadeia, o efeito de manada.

O fato de estar publicado no Facebook me dá o direito de exprimir uma opinião sobre a temática aqui, no meu blog, sem autorização das pessoas envolvidas. Ora, está na rede, as pessoas não estão sendo identificadas e eu estou exercendo também meu direito de falar sobre o que eu bem quiser, não é mesmo?

Muitos comentários julgadores depois, alguns com fotos de seus animais, eis que vem alguém expressa uma pinião contrária ao julgamento.

"Eu ofereço uma sugestão a todas nós: não vamos julgar... Tenho uma cachorra por quem sou louca maluca. Sei dos meus valores e das minhas possibilidades. [...] não seria por mim descartada. Entendo que é uma vida e envolve responsabilidades, abrir mão de algumas coisas... Mas não conhecemos a realidade do outro. E não somos perfeitos" (R2)

"Desculpa, não é julgamento. Mas, é preciso fazer essa reflexão. Postagens de doação precisam dessa reflexão, de vez em quando aparece uma." (R3)

"Sabe o que é? Quem não doaria, não doaria. Quem doaria, doaria. E aí no meio rolam aqueles impasses... Então não me parece muito reflexão... Pode ser que perdeu o emprego. Pode ser que o cachorro ta deprimido só. Podem ser muitas possibilidades. Aí cada um resolve de um jeito.." (R2)

"Achei que fosse encontrar vários aceitos como vejo diariamente quando é colocado algo material,me pergunto se vcs já compartilharam o post porque quanto mas pessoas visualizarem mas rápido ela encontrará um lar,bjos de luz!" (R4)

"É realmente o mundo não terá jeito enquanto continuarmos a nos sentir no direito de julgar. Aqui era para dizer aceito ou encontrar alguém que queira o animal e na Boa amo animais mas comparar uma criança com um cachorro e demais. Cuidar amar ser responsável com tudo e com todos. Alguém pode ajudar? alguém quer o cachorro?" (R5)

Entrei na discussão, que a esta altura já tinha vários comentários comparando os animais a filhos.

"Me interessei pelo "Tobias" e liguei pra [...] Primeiro que eu achava que ele era um cachorrinho pequeno e ele é de porte médio. Eu moro em apartamento e me preocupa a questão do espaço para ele. [...] também disse que ele é ativo e brincalhão e que o ideal seria alguém que tenha espaço... Pensei em adotá-lo para sairmos juntos pra caminhar aqui na orla do Rio Vermelho e sermos parceiros em muitas outras coisas. Vou copiar e colar na minha timeline para ver se ajudo a divulgar. Mas realmente não sou a pessoa ideal para ele. Vamos nos unir para que essa pessoa chegue.Quanto aos julgamentos, concordo com R5. Mas até mesmo seres humanos ficam em orfanatos para serem adotados, infelizmente." (R6)

"O Cocker adulto tem entre 13 e 16kg. Tenho uma mamute num apartamento, se quiser conversar sobre... Estou a disposição. Minha cachorra tem 35kg e é preciso compensar o espaço pequeno com caminhadas..." (R2)

R2, bom saber sua experiencia com um de mesma raça. A ideia era caminhar diariamente porque eu tb estou "mamute"....rs Quanto vc acha que é custo com ração mensal? São muito inquietos? Ou ficam de boa no apartamento? (R6)

"Realmente os cães da raça do Tobias são de porte médio,mas são muito companheiros,adoram passear e se vc quer uma raça para acompanhar nas caminhadas ele é o ideal,quanto ao espaço,tive dois num apto no Rio e não tive problemas,eles são brincalhões,mas são dóceis e tranquilos,basta sair com eles e dar uma boa caminhada por dia,se não tivesse três eu ficaria,nas a cota aqui de casa já completou,vacinas,comida, vermífugo,carinho e atenção,não tenho como ter mais um." (R7)

Ainda houveram declarações contra o julgamento: 

"Decepcionada com esses comentários sobre o juízo final da moça! Mais amor, menos julgamentos. Desejo sorte para a mana e seu bichinho  Fico pensando: se todas q julgaram tivesse posto um "aceito" teria uma fila aqui para buscar o Tobias... Mas... Vida q segue! Paz e luz para todas nós." (R8)

"Doar também pode ser um ato de amor! Acredito que há dignidade ao se reconhecer que não pode cuidar de algum ser vivo (seja animal ou ser humano) e, dessa forma, pedir ajuda. Tenho caso de adoção na família, adoção de ser humano, e somos gratas a mulher que reconheceu que não podia cuidar de uma vida (que já tinha mais de 1 ano de existência) e teve a oportunidade de encontrar pessoas dispostas e disponíveis a cuidar, amar e acolher sem fazer julgamento sobre os motivos que levaram a outra a doar. Cada qual com suas histórias, suas dores e delícias! Desejo sucesso a Tobias! Vai dar tudo certo!" (R9)

Apesar de ter havido um redirecionamento da conversa, voltou novamente o julgamento, a comparação com a família e nada do Tobias ser adotado. A dona do cachorro não faz parte do grupo, mas creio que ficaria chateada com os comentários. Quem postou, foi relativamente neutra e só entrou na discussão vários comentários depois.

Essa história, com mais de cem comentários, ilustra bem como passamos a nos relacionar nas redes sociais. Nos unimos ou reagimos de acordo com nossas concepções. Todos tem opinião e expressá-las é um direito, no entanto, a censura alheia aparece com muita frequência. E fica tudo lá, com o registro e acesso direto ao seu perfil.

A história de Tobias leva a uma discussão interessante sobre julgamentos na internet. Se não houvesse os julgamentos iniciais, haveriam tantos comentários? Doar um animal para não é igual a doar uma criança mas minha opinião é favorável a quem admite que não pode cuidar e coloca para adoção. Inclusive tenho panos de adotar uma criança daqui a uns cinco anos. Também pensei em adotar Tobias, mas ele é maior do que pensei e sua dona não me aconselhou. Ou seja, ela se preocupa para onde ele vai. Não é só se desafazer e resolver seu problema.

Geralmente essas postagens resultam em um feed back para avisar o resultado, Espero que alguém adote o Tobias!

Guel Pinna

Salvador, 10.07.2017   04:24h


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